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O Projeto Cirrus

  • Foto do escritor: Francesco Lena
    Francesco Lena
  • 31 de mai.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 19 de jun.

Quem me conhece de mais perto sabe que o nome "Cirrus" me segue em vários projetos. Mas talvez poucos lembrem onde isso começou. Pois bem, vou tentar contar um pouco de onde veio tudo isso.


Nasci e cresci em uma pequena cidade do interior de São Paulo. Nada extremamemnte bucólico, bem perto da metrôpole de Campinas, mas pequena o suficiente para ter algumas características próprias. Uma delas era minha escola - o Tema - que, durante meu período lá entre fundamental II e ensino médio, moldou muito meus gostos e definiu muitas coisas próprias que carrego até hoje. Desde interesses pessoais aos profissionais.


Digo que o Tema era diferente de muitas escolas, inclusive as de Amparo, principalmente pelas relações de amizade e próximidade dos professores e alunos. Parte disso imagino que era pelas turmas pequenas. No meu ensino médio, as turmas não passavam de 20 pessoas. Mas parte era pelo interesse nato dos fundadores - também professores - que se refletia também no resto do corpo docente. Não consigo afirmar sobre hoje, mas espero que continue parecido.


Dessas amizades saiam mini aventuras. Viagens, acampamentos, feiras de ciências, ideias estranhas e que davam certo. Em uma, com o amigo e professor de física Bruno, começamos a pensar em projetos para se fazer com a turma, que não fosse tão clichê como o vulcão da feira de ciências. E, não me lembro exatamente o contexto, acabamos nos questionando sobre quão alto bexigas com hélio (de aniversário mesmo) sobem quando são perdidas.


Como bom professor de fisica, Bruno criou hipóteses e calculos. Não pareceu coisa emocionante. Mas, nas buscas e estimativas, nos deparamos com algo que não conheciamos. Balões meteorológicos. Exatamente a mesma coisa, só que feita para subir o mais alto possível, carregando instrumentos que medem parâmetros atmosféricos em seu perfil de subida, base para a meteorologia moderna.


Pode até parecer estranho que no ensino médio nós nunca tinhamos ouvido falar sobre tal tecnologia tão comum. Mas acredito que você só teve contato com o termo por uma ideia que se popularizou: Amarrar uma GoPro em tal balão e filmar sua subida até a estratosfera - a próxima camada. E foi isso que encontramos em seguida. Um vídeo um tanto diferente, de uma GoPro em um balão meteorológico lançado durante um eclipse solar.


Na hora nos fissuramos na ideia. Não havia quase nada sobre isso na internet. Alguns outros vídeos, um blog, mas nada viralizado. Acho que esse termo nem existia ainda. Era 2012. Hoje há milhares de videos de feitos similares, mas na época foi novidade. E não havia nenhum vídeo similar no Brasil.


Colocamos na cabeça que iamos fazer isso. Tentamos entender o que era preciso. Um balão, quatro ou cinco metros cúbicos de hélio, uma caixa de isopor, claro, uma câmera tipo GoPro. E para encontrar a câmera? Algum tipo de rastreador. Talvez mais baterias. Um datalogger? E paraquedas! A lista de materiais logo ficou cara de mais para um adolescente e um professor recem iniciando sua carreira. Mas a escola ajudou. Um mini patrocinio ali, outro aqui, uma rifa depois, e tinhamos a grana suficiente para comprar os equipamentos.


Junto com a grana veio a curiosidade dos que ajudaram. Muitos amigos embarcaram na ideia. Meu pai também, que sempre admirou tudo que saia do chão. Logo tinhamos uma mini equipe, materiais, alguns estudos, podiamos começar.


Em alguns meses compramos e recebemos os equipamentos. Esses foram acomodados em uma caixa de isopor nada tecnológica. Não havia engenharia, apenas o melhor esforço para assegurar que os equipamentos não congelariam. Para rastrar a então chamada de "sonda", um rastreador Spot Gen2, um pequeno dispisitivo via satélite. Uma GoPro II e mais alguns equipamentos depois, a sonda estava pronta para a jornada.

A caixa não tecnológica
A caixa não tecnológica

A janela de lançamento foi definida com uma ferramenta muito interessante desenvolvida por um grupo de estudantes e hobistas, o CUSF (https://predict.sondehub.org/). Essa ferramenta utiliza previsões de velocidade e direção do vento do modelo GFS (Global Forecast System) em diferentes camadas atmosféricas para prever a deriva do balão e aproximar o local de queda. No caso, a escolha da data é buscando um local inabitado, e o mais próximo do local de lançamento possível.


O evento foi em um sábado ensolarado, na pista de aeromodelismo de Amparo. Perto de uma centena de pessoas acompanhou o evento. Vários alunos da escola, e outros entusiastas da cidade que ficaram sabendo do projeto pelo jornal local. Praticamente não havia vento, o que fez o balão subir praticamente reto. Com a redução gradual da pressão atmosférica - a até 1% daquela ao nível do mar, em seu apogeu - o gás interior se expande, até que o balão de látex não suporta mais tamanha tensão e se rompe, terminando o voo.

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Como a subida for sobre nós, foi possível ver o balão até seu estouro a mais de 32km de altitude, quando sumiu. E aí começou o resgate. Saímos em vários carros em direção ao ponto previsto da queda pelo CUSF. Ficamos sem coordenadas por um tempo pois o SPOT possuia uma limitação de altitude máxima, de 9km, se não me engano.


A queda é rápida, mesmo com o paraquedas, já que a densidade do ar é uma fração por boa parte da descida. A velocidade terminal passa de centeas de metros por segundo por um breve período. Chegando perto do solo, é reduzida a mais ou menos 5m/s, evitando que a sonda seja destruída no impacto.

A sonda em uma plantação de mandioca
A sonda em uma plantação de mandioca

O "pouso" foi em uma plantação de mandioca em uma cidade vizinha. 19km do ponto de lançamento - incrívelmente pouco quando comparado com a ascensão de mais de 32km, passando por camadas com corrrentes de jato. O datalogger, com um GPS não limitado à altitude, registrou o perfil do voo por completo.

Perfil do voo registrado pelo datalogger
Perfil do voo registrado pelo datalogger

Ainda durante o resgate, retiramos o cartão de memória da GoPro para conferir o que foi gravado. A caixinha de isopor e o powerbank adicional funcionaram, alimentando a câmera que gravou todo o voo. Avançamos para o meio do vídeo - e ficamos impressionados. Ver a imensidão do começo do espaço, e a frágil superfície do nosso planeta, em um horizonte que, a 32km de altitude, se extende a mais de 600km, foi uma experiência única. Amparo está a mais ou menos duas horas da grande São Paulo, e um pouco mais de três do litoral. Mas na altitude, com o tempo especialmente bom, foi possível gravar imagens de toda a metropole, e quilometros mar a dentro.

Um frame da GoPro. A grande mancha cinza é a metropole paulista
Um frame da GoPro. A grande mancha cinza é a metropole paulista

A sensação de realizar um feito que antes parecia inatingivel foi unica. Principalmente para alunos do ensino médio, onde, na rotina carregada por discussões de vestibulares e o medo do novo por vir, colocavam os limites muito mais baixos que o céus. Foram meses de projeto e trabalho de muitas pessoas. O resultado, ainda que muito mais artistico que científico, inspirou uma turma. Sem querer me abriu portas também. Contarei mais sobre isso em outros posts.


Vídeo completo do primeiro voo do Projeto Cirrus









 
 
 

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